segunda-feira, 31 de maio de 2010

Crónica Altitude (25 de Maio 2010)

Houve um tempo em que as leis não eram escritas e a palavra substituía qualquer tratado assinado. Nesse mesmo tempo, a riqueza das nossas aldeias media-se em alqueires de centeio ou almudes de vinho. Dizia-se então: "Pão e vinho escolhem sempre o melhor caminho". Significava esta expressão que na eventualidade dos caminhos não estarem transitáveis era permitido aos agricultores abrirem novas vias nem que para isso fosse necessário entrar em propriedades privadas. Era um tempo em que os caminhos eram estreitos e o transporte feito em carros de boi.
Em vésperas de uma recente deslocação à Guarda, despedia-se de mim uma amiga dizendo: "Diverte-te e come bem!". E pensando bem que viagens pelos sabores são estas.
Da sopa de grão feita em panela de ferro à batata cozida da região regada com azeite do Mondego; do pão de centeio do Sabugueiro ao queijo de ovelha da Serra; dos enchidos da Castanheira ao cabrito assado com ervas do campo. Tudo acompanhado de uma salada de agriões apanhada numa qualquer presa à beira do caminho e de um tinto da Adega de Figueira. E mais uns míscaros estrugidos...e para a sobremesa um arroz doce.
Aos fundamentalistas da nutrição que porventura estejam neste momento a excomungar-me, recomendo após a refeição uma visita ao Castro do Jarmelho ou a descida do Noéme até ao Rochoso. A pé evidentemente! Que nunca fez mal a ninguém...
E como "nem só de pão vive o homem", à noite deve-se assistir a um espectáculo no TMG (que os há para todos os gostos e sempre de excelente qualidade).
"Pão, Vinho.... e Cultura! escolhem sempre o melhor caminho". E o melhor caminho é o que nos traz à Guarda.

Crónica transmitida na Rádio Altitude no dia 25 de Maio de 2010.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Crónica Altitude (11 de Maio 2010)

Amanhã, 12 de Maio, passará um ano sobre o primeiro texto publicado no blogue "Crónicas do Noéme" de que sou autor. Foi o primeiro texto, mas não foi o início da luta. Esta tinha começado um ano antes, quando numa manhã chuvosa de Abril, um grupo de cidadãos das aldeias banhadas pelo Noéme deixaram o conforto domingueiro e entre a Guarda e o Rochoso, caminharam ao longo do Rio.
Conseguimos trazer a poluição do rio para a ordem do dia e os diversos órgãos de comunicação social trataram o tema. Voltámos a despertar um sentido de pertença que andava adormecido. Recuperámos memórias antigas.
Durante este ano pudemos ouvir os poluidores afirmarem na TV que poluem; responsáveis afirmarem que a poluição é legal. Foram publicadas fotos chocantes do crime, mas também fotos de grande beleza que nos dão ânimo para continuar. Quero agradecer a todos os que fizeram comentários, participaram na discussão ou enviaram palavras de incentivo.
O propósito de termos um rio despoluído não foi conseguido. E por isso vamos continuar esta luta sem vacilar. As gerações futuras merecem que lhes entreguemos um rio limpo.
Este assunto foi motivo de debate nas últimas eleições autárquicas. Ganhou a lista encabeçada pelo engenheiro Joaquim Valente. Em Novembro de 2009 prometeu que o problema ficaria resolvido durante o primeiro semestre de 2010.
Estamos em Maio. Caminhamos a passos largos para a primeira promessa não cumprida do actual executivo.
Continua a morrer o Noéme.
Continuam a perder as suas gentes.

Crónica transmitida na Rádio Altitude no dia 11 de Maio de 2010 e disponível aqui

sábado, 1 de maio de 2010

Crónica Altitude (27 de Abril 2010)

Entrei pela primeira vez no site Pordata.pt, a base de dados do Portugal contemporâneo cujo responsável é o sociólogo António Barreto. É uma ferramenta de grande utilidade para investigadores ou simples curiosos como é o caso.
Olhei para os números da população e os índices que nos são apresentados. O índice de envelhecimento em 2001 era de 102,2%; em 1960 era de 27%. A menos que algo tenha mudado nestes 9 anos estamos mais velhos. Em 2003 tinham saído do país 27000 pessoas, valores ainda longe dos 120000 emigrantes da década de 60. No dia em que consultei o site tinha havido mais 6 óbitos que nascimentos (tendência confirmada em 2010 com um saldo negativo de 700 indivíduos).
Penso em muitas aldeias do nosso concelho. Preocupa-me que aldeias que no passado tiveram mais de 1000 habitantes tenham hoje um quinto dessa população. Preocupa-me ainda mais que este já sintomático valor não seja estável e continue a descer. Daqui por umas décadas, se não se inverter a tendência, existirão aldeias fantasma no nosso concelho. Aldeias onde só haverá pedras; onde os monumentos deixarão de o ser por não haver quem cuide deles.
Precisamos de um novo repovoamento. De uma nova centralidade. De riqueza.
Em finais do século XIX, quando o comboio chegou, muitos enriqueceram no transporte das pedras nos carros de bois. A agricultura deu trabalho a muita gente. Por todo o lado havia artesãos que vendiam os seus produtos nos mercados. Depois foi o contrabando e a emigração.
Hoje é preciso re-inventar as nossas aldeias. Valorizar os seus recursos. Atrair pessoas.
Compreender o passado para enfrentar o futuro.
Dizia há dias na rádio um escritor colombiano:
"A imaginação e a memória são a mesma coisa." E acrescentava: "A imaginação não é mais do que má memória".


Crónica transmitida na Rádio Altitude no dia 27 de Abril de 2010 e disponível aqui